GEADAS NO BRASIL

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GEADAS NO BRASIL


Viviane Regina Algarve

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)


1-Introdução

Entre os vários fenômenos atmosféricos que ocorrem no Brasil, a geada é um dos que causam muitos prejuízos, principalmente com relação à agricultura e à economia do país. Muitas vezes, o impacto social e econômico pelos danos das geadas é significativo, uma vez que envolve fatores tais como a produção e o preço de alimentos. Durante os meses de inverno no Hemisfério Sul (HS), observa-se sobre a Região Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, a ocorrência de temperaturas baixas, que favorecem a formação de geadas. Esse fenômeno caracteriza-se pela ocorrência de temperaturas do ar abaixo de 0oC, com a formação de gelo nas superfícies expostas. Sua intensidade varia e pode ser forte quando resulta da associação de dois fenômenos: a incursão de massa de ar polar sobre o continente, seguida de perda noturna de energia pela superfície devido à emissão de radiação infravermelha para o espaço (Molion et al., 1981).

A literatura define dois tipos de geadas: as advectivas e as geadas por radiação. A primeira ocorre a partir da entrada da massa de ar frio, podendo também ser chamada de geadas de vento. A segunda, por sua vez, ocorre quando há a permanência de altas pressões sobre a região, as quais favorecem a perda de radiação infravermelha para o espaço. Casos isolados de geadas, foram descritos por Hamilton e Tarifa, 1978; Fortune e Kousky, 1983; Satyamurty et al.,1990. Segundo Rebello e Neves (1987), o fenômeno de geadas nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil é um assunto de muito interesse para meteorologistas ligados ao setor agropecuário, que procuram disseminar avisos alertando os agricultores sobre a aproximação de massas polares, causadoras de temperaturas mínimas extremas e ocorrência de geadas.

O período de inverno é o mais estudado na literatura e julho é o mês mais significativo. Durante o período maio-setembro, toda a Região Sul sente os efeitos típicos do inverno. Sucessivas e intensas invasões de frentes de altas latitudes trazem, geralmente, chuvas abundantes seguidas por massas de ar muito frio. A entrada dessas massas é acompanhada de forte queda de temperatura que atinge valores pouco superiores a 0C, e não raramente chega a temperaturas negativas, proporcionando a ocorrência de geadas (Nimer, 1979).

Parmenter (1976), analisa a geada ocorrida em julho de 1975, na América do Sul. Ele descreve a entrada de um sistema frontal pelo Chile e Argentina o qual nove dias depois atravessa o Equador, na Venezuela. Com a entrada da massa de ar polar, atrás do sistema frontal, as temperaturas baixaram muito em todo o Brasil, incluindo a região central do País.

Tarifa et al. (1977), descreveram também a situação dos danos causados pela geada de 1975 à cafeicultura no Estado de São Paulo. O principal resultado descrito é: o grau de resfriamento na superfície, que está associado à posição e à intensidade do centro do anticiclone polar. No Estado de São Paulo a pressão mínima foi 1028 hPa e a máxima foi 1030 hPa. Este episódio ocorreu na periferia do anticiclone polar e não no seu centro como era esperado por ser a área de maior calmaria e limpidez da atmosfera.

Hamilton e Tarifa (1978), descreveram o episódio da geada de 1972, a qual trouxe danos para as plantações de café no Paraná e vizinhanças. Neste ano houve uma eclosão de ar frio de origem polar, sobre a região, trazendo baixas temperaturas. Eles enfatizaram o papel do centro frio de um anticiclone em baixos níveis, que seguiu uma trajetória continental do sul da Argentina até o trópico de Capricórnio. Ocorreu, em seguida uma ciclogênese sobre o sul do Brasil e, posteriomente, o ciclone moveu-se para sudeste em direção ao Oceano Atlântico. A área em que ocorreram os danos localizou-se a leste do centro de alta pressão.

Muitos outros trabalhos citam os danos causados por geadas no Brasil tais como Ometo (1981), Almeida e Torsani (1984), Almeida et al. (1982), Fortune (1981). O episódio de geada que ocorreu em 1979 foi estudado por Fortune (1981). Os objetivos eram buscar sinais no Oceano Pacífico, que pudessem dar indicações para uma previsão de geadas; acompanhar as condições especiais que permitem a profunda penetração de ar frio no país e obter mapeamento das temperaturas vistas nas imagens de satélites. Os resultados mostraram que uma onda longa do Pacífico amplifica-se, fornecendo um sinal da provável ocorrência de geadas no sul do Brasil com 3 a 4 dias de antecedência.

Shin e Chen (1987) mostraram um padrão consistente de queda de temperatura na costa oeste e parte interior da Flórida Central. Rogers e Rohl (1991) também descreveram ocorrência de geadas severas na Flórida. Analisaram a variabilidade temporal e os aspectos da aparente associação entre geadas e os anticiclones polares fortes nos grandes lagos da América do Norte. Foram observadas as associações, não em escala sinótica, mas em escala de tempo interdecadal, examinando a frequência de altas polares e padrões de circulação em altos níveis.

Avissar e Mahrer (1988a,b) discutiram, com detalhes, um modelo de camada limite, onde poderiam prever a perda noturna e temperatura mínima do ar em locais específicos. O principal objetivo do trabalho foi a discussão de um método de avaliação de áreas de risco de ocorrência de geadas, baseado em previsões de dados de tempo local e análises em superfície.

Os danos causados pelas geadas, assim como o sucesso observado nas experiências no Estado da Flórida, estimularam os pesquisadores brasileiros a desenvolver esquemas de acompanhamento e previsão de geadas no Brasil. Em 1980 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE desenvolveu, através de seu departamento de Meteorologia, o Projeto Geada, que tinha como objetivo a utilização de tecnologia espacial, mais especificamente informações obtidas de satélites meteorológicos, para detectar e acompanhar a formação de geadas, buscando traduzir esse dados em informações que poderiam ser utilizadas por agricultores.

Outros trabalhos com relação à situação sinótica, foram discutidos por Molion et al. (1981). As evidências sobre a ocorrência desses fenômenos poderiam ser detectadas com até 3 dias de antecedência. Isso seria possível analisando a intensidade da massa de ar polar que estivesse penetrando no sul da América do Sul. À medida que esta massa fria se deslocasse na direção do sul do Brasil, os agricultores seriam informados. Um modelo estatístico seria utilizado para gerar a distribuição da temperatura em um domínio maior. Isso seria feito correlacionando-se os níveis de cinza (temperatura) transmitidos pelo satélite, com os valores previstos pelo modelo físico. Essa rotina poderia ser reiniciada e atualizada periodicamente, de modo que 2 a 3 horas antes da ocorrência de geada, os agricultores, alertados, acionariam os esquemas de proteção.

Fortune et al. (1982) analisaram os aspectos mais importantes encontrados para duas geadas, a de 1979 e a de 1981, e destacam importantes precursores: uma configuração de ondas longas, observada em altos níveis deslocando-se lentamente no Pacífico, amplificou-se entre 4 e 5 dias antes das geadas no Brasil. A crista da onda longa, quando estava com sua maior amplitude, situava-se perto dos Andes, e o cavado corrente abaixo localizava-se próximo ao Brasil, sobre o Oceano Atlântico Sul. Esta configuração canalizou o ar frio subantártico para latitudes subtropicais, em uma trajetória totalmente continental. A primeira evidência de amplificação de ondas foi a frontogênese no centro do Pacífico. A conclusão dos autores foi que, a energia das pertubações no Pacífico, em ambos os casos, propagando-se com velocidade de grupo das ondas, contribuiu para o desenvolvimento anormal do cavado frio na América do Sul.

Satyamurty et al (1990) fizeram um estudo de caso, em que foi observada a ocorrência de duas ondas de ar frio que afetaram a região sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul, sul de Minas Gerais e sul de Goiás, na segunda quinzena de maio de 1990. As massas de ar frio, com pressões centrais da ordem de 1030 hPa, levaram cerca de 72 horas para se deslocar da costa oeste do continente até o litoral da região Sudeste do Brasil. O padrão do escoamento na alta troposfera apresentou forte confluência das correntes de sul e de oeste sobre o Paraguai, precedendo a ocorrência de geadas. Algarve e Cavalcanti (1994) mostraram padrões típicos para ocorrência de geadas no sul do Brasil, através de uma análise com dados de 10 anos. Os principais resultados serão discutidos a seguir.

2-Características da atmosfera durante a ocorrência de geadas no Brasil de 1980 a 1989.

Foi observado que antes da ocorrência de geadas, os sistemas se deslocaram em um espaço de tempo curto, favorecendo a entrada mais rápida das massas frias. Sempre o primeiro sistema sinótico que entra, permanece próximo à região, favorecendo a permanência da alta pressão. O deslocamento rápido de outros sistemas, em seguida do primeiro, favorece a realimentação das altas pressões na região.

Observou-se na análise do escoamento em 200 hPa, a predominância de ventos de sul/sudoeste, os quais transportam uma quantidade razoável de ar frio de latitudes mais altas para mais baixas. Nota-se também uma defasagem no escoamento ondulatório em altos níveis entre latitudes subtropicais e médias, no Pacífico, sendo que em alguns casos o escoamento entra em fase no Atlântico. Esse resultado é coerente ao observado por Fortune et al (1982). Esta defasagem pode ser observada na figura 1 . Em 850 hPa, nota-se escoamento de sul/sudoeste dirigido para a região em estudo e a entrada de ar frio até latitudes mais baixas ( figura 2 ). Nos casos considerados como geadas totais (que abrange uma grande região), observa-se nas análises de anomalia zonal de geopotencial, uma amplificação do cavado a sudeste da América do Sul (AS) e uma crista intensa a sudoeste da AS (figura 3 ). Nas análises dos campos de temperatura em 1000 hPa observa-se a penetração de ar frio intenso por vários dias antes da ocorrência da geada, sobre a região em estudo, onde a isolinha de temperatura 10oC desloca-se sempre para norte. Na figura 4 é apresentado o campo de temperatura médio para os dias de ocorrência de todos os casos de geada total.

As configurações de anomalias zonais de geopotencial são apresentadas na figura 5 . Nas médias do dia anterior à ocorrência da menor temperatura mínima média (tmm) é destacado o dipolo zonal (anomalias positivas e anomalias negativas) sobre o sul da América do Sul. Nas médias do dia da menor tmm, há um deslocamento para leste das anomalias, indicando o afastamento do cavado da região e a penetração da crista. No dia posterior, as anomalias positivas estão sobre o continente e as negativas se deslocam para o oceano. Observou-se também nesses campos: -a presença de número de onda 1, ao redor do hemisfério em latitudes altas e a presença de um trem de onda, estendendo-se do extremo sul da América do Sul para o Oceano Atlântico, sugerindo uma propagação de energia zonal como sugerido por Fortune e Kousky (1983).

CASOS DE OCORRÊNCIA DE GEADAS E NEVE SOBRE A REGIÃO SUL DO BRASIL - PERÍODO DE DE 1988 A 1996


Nuri Oyamburo de Calbete

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)

Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE)


Este levantamento tem como objetivo descrever as massas de ar frio que afetaram a Região Sul do Brasil, com declínio de temperatura. Dependendo da intensidade dessas massas, poderá ocorrer geada ou neve. O período estudado corresponde de 1988 a 1996.

Geralmente, a massa de ar frio começam a atingir o sul do Brasil no mês de Abril até o mês de Outubro, contudo em algumas localidades serranas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina podem ocorrer geadas durante todo o ano.

A tabela abaixo mostra o número e extensão das massas de ar frio onde ocorreram geadas ampla e parcial e o número de casos de precipitação de neve na Região Sul, durante este período ( Tabela 1 ).

No mês de Junho, não contabilizamos o ano 93 e o mês de Julho de 95 , devido à falta de informação.

As menores temperaturas ocorreram nas regiões serranas da Região Sul, nas localidades de Bom Jesus-RS, São Joaquim-SC e em Palmas-PR. Durante esses períodos de baixas temperaturas, a média das temperaturas mínimas foi de -5oC.

Referências Bibliográficas

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